As vendas a consumidores vão ter novas regras a partir de 01/2022. Com o novo ano entra em vigor o Decreto-lei n.º 84/2021, de 18 de outubro de 2021, que reforça os direitos dos consumidores e estabelece novos deveres para os profissionais que vendem produtos ou conteúdos e serviços digitais, em domínios como a entrega dos produtos, a responsabilidade pela conformidade dos produtos e o exercício de direitos em caso de defeito.
Apresentamos neste artigo um resumo das principais regras que terá de cumprir, quer tenha uma loja física ou venda online, em site próprio ou em marketplaces.
Vendas a consumidores em plataformas online
Uma importante novidade deste decreto-lei é a responsabilidade solidária das empresas responsáveis por marketplaces em relação aos produtos comercializados por vendedores naquelas plataformas de venda online.
Em caso de falta de conformidade de um produto, a empresa responsável pelo marketplace que seja parceira de negócio do vendedor deve satisfazer os direitos do consumidor, a par com o profissional.
O diploma considera que a empresa responsável pelo marketplace é parceira contratual do vendedor sempre que exerça influência predominante na celebração do contrato, o que ocorre, por exemplo, quando o contrato é celebrado exclusivamente na plataforma, o pagamento é efetuado através dos meios disponibilizados pela plataforma, os termos do contrato com o consumidor são determinados pelo marketplace ou a publicidade associada ao produto ou serviço é focada no marketplace e não nos vendedores que lá disponibilizam os seus produtos.
Se o marketplace não for parceiro contratual do profissional que fornece o bem, terá de indicar ao consumidor que o contrato será celebrado diretamente com o vendedor, revelando também a identidade e os contactos do profissional, antes da celebração do contrato.
Se não cumprir estes deveres, a empresa responsável pelo marketplace passa a ser responsável perante o consumidor por qualquer desconformidade do produto, conteúdo ou serviço fornecido.
Fornecimento de conteúdos e serviços digitais
Os sites de e-commerce que vendem conteúdos ou serviços digitais têm agora de ajustar a sua atividade às novas regras que este decreto-lei estabelece.
Existem novos requisitos objetivos e subjetivos de conformidade a que devem obedecer esses conteúdos e serviços. Em resumo, é preciso verificar que, nas vendas a consumidor, os conteúdos e serviços:
- correspondem à descrição, tipo, quantidade, qualidade, funcionalidade, compatibilidade, interoperabilidade e demais características indicadas no contrato de compra e venda;
- correspondem à descrição e têm as qualidades da amostra ou modelo apresentado ao consumidor antes da celebração do contrato;
- possuem as qualidades habituais e expectáveis nos bens do mesmo tipo, quanto à durabilidade, funcionalidade, compatibilidade e segurança;
- são adequados ao uso a que os bens da mesma natureza se destinam ou à finalidade específica a que o consumidor os destine, se houver acordo prévio nesse sentido;
- são entregues com todos os acessórios e instruções;
- são fornecidos na versão mais recente disponível no momento da celebração do contrato.
O profissional tem de fornecer ao consumidor as atualizações necessárias para manter os bens em conformidade, durante o período razoavelmente esperado pelo consumidor, tendo em conta o tipo e finalidade dos bens e dos elementos digitais, entre outros critérios. Em caso de fornecimento contínuo, o dever vigora durante todo o contrato.
O diploma estabelece ainda regras e deveres para o profissional que fornece conteúdos e serviços digitais ao consumidor, em domínios como:
- a forma de entrega desses conteúdos,
- a integração com outros produtos e serviços digitais,
- a responsabilidade se os conteúdos ou serviços digitais não estiverem conformes,
- e as alterações aos conteúdos e serviços em contratos de fornecimento contínuo ou com diversos fornecimentos.
Produtos com elementos digitais
Também os produtos que incorporem ou que estejam interligados com elementos digitais passam a estar abrangidos pelas disposições deste decreto-lei, que ampliou o conceito de bens de consumo.
As vendas a consumidor deste tipo de produtos estão agora sujeitas a novas obrigações, como por exemplo, a de fornecer ao consumidor as atualizações de software necessárias para que o produto funcione durante um período razoável, que poderá variar consoante o tipo e finalidade do produto e dos seus elementos digitais, assim como das circunstâncias e natureza do contrato.
Responsabilidade do vendedor com prazo alargado
Este diploma estabelece ainda novas regras para as situações de falta de conformidade dos produtos vendidos, que se enquadram na situação habitualmente designada por garantia do produto.
O prazo de responsabilidade do vendedor passa a ser de três anos para bens móveis novos, podendo ser reduzido para 18 meses, se o comprador concordar, na venda de bens móveis usados.
Já nos imóveis, a responsabilidade do vendedor é agora de dez anos, quanto aos elementos construtivos estruturais, mantendo-se nos cinco anos para os restantes elementos do imóvel.
Além do alargamento dos prazos, passa a existir uma hierarquia no que respeita aos direitos do consumidor em caso de desconformidade do produto.
Se o defeito se manifestar nos primeiros 30 dias após a compra, o consumidor pode solicitar a imediata substituição do bem ou a resolução do contrato. Depois desse prazo, terá de pedir primeiro a reposição da conformidade, através da reparação ou da substituição e só se estas não forem possíveis, é que pode exigir a resolução do contrato ou a redução do preço.
Serviço após-venda e disponibilização de peças
Com a preocupação de promover a sustentabilidade e incentivar a reparação dos produtos, o diploma estabelece uma dupla obrigação para os produtores e profissionais. Não só têm de disponibilizar peças para a reparação dos bens que vendem durante 10 anos, como têm de informar o consumidor, no momento da celebração do contrato, da existência e duração dessa obrigação de disponibilização de peças quanto ao produto que estão a vender.
No caso dos bens móveis sujeitos a registo, de que são exemplo os automóveis, barcos e aviões, o profissional terá ainda de garantir assistência após-venda em condições de mercado adequadas e de informar o consumidor da existência e duração do dever de garantia de assistência após-venda.
Garantia comercial
Outra das novidades deste diploma incide sobre as garantias comerciais que são concedidas pelo produtor ou pelo vendedor aos seus clientes para além da garantia estipulada pela lei.
A agora designada por garantia comercial vincula o profissional a cumprir o que promete, não só na declaração de garantia comercial, mas também da publicidade efetuada antes ou no momento da celebração do contrato.
A declaração de garantia comercial, que deve ser dada ao consumidor por escrito até ao momento da entrega do bem, tem de estar na língua portuguesa e usar linguagem clara. O conteúdo deste documento tem obrigatoriamente de incluir as seguintes menções:
- a declaração clara de que o consumidor é titular dos direitos à reposição da conformidade, à redução do preço ou à resolução do contrato previstos no presente decreto-lei, e de que esses direitos não são afetados pela garantia comercial;
- informação clara e expressa acerca do objeto da garantia comercial, dos benefícios atribuídos ao consumidor e das condições para a atribuição desses benefícios, a indicação de todos os encargos, como os relativos às despesas de transporte, mão-de-obra e material, e ainda os prazos e a forma de exercício da garantia, incluindo a quem incumbe provar a falta de conformidade e o prazo aplicável a tal ónus;
- O nome e o endereço do garante;
- O procedimento a seguir pelo consumidor para executar a garantia comercial;
- A designação dos bens aos quais a garantia comercial se aplica; e
- A duração e âmbito territorial da garantia comercial.
Sanções
O incumprimento da maioria dos deveres previstos neste diploma pode dar lugar à aplicação de contraordenação grave, punível com coimas que podem ir dos 650€ (mínimo para pessoas singulares) aos 24 000€ (máximo para grandes empresas).
Este é um texto meramente informativo. As informações nele contidas são gerais e abstratas e não dispensam a assistência profissional qualificada e dirigida ao caso concreto.
O escritório de Mafalda Correia Advogados tem competência e experiência prática no domínio do Direito do Consumo e está preparado para o ajudar na identificação e cumprimento das suas obrigações e na atualização dos documentos legais da sua loja online. Caso tenha alguma questão contacte-nos por email (info@advogadosmc.pt).
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