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Empresas e Acessibilidade Digital: novas regras a partir de 28 de junho de 2025

A partir de 28 de junho de 2025, muitas das empresas que disponibilizam produtos ou serviços online a consumidores finais terão de cumprir os requisitos de acessibilidade digital definidos pelo Decreto-Lei n.º 82/2022, que transpõe para o direito português a Lei Europeia da Acessibilidade (Diretiva 2019/882).

Até agora, a acessibilidade digital era obrigatória apenas para entidades públicas, ao abrigo do DL n.º 83/2018. Com o novo regime, a obrigação estende-se ao setor privado — incluindo empresas que operam lojas online, aplicações móveis, eBooks, serviços de streaming, plataformas de reservas de viagens e transportes, apps de mobilidade, serviços bancários digitais, terminais de pagamento, entre outros.

O objetivo é claro: garantir que todas as pessoas, independentemente das suas limitações funcionais, possam utilizar os serviços e aceder aos produtos digitais com autonomia, segurança e igualdade.

Quais os produtos e serviços abrangidos?

A lei aplica-se a qualquer empresa que disponibilize produtos ou serviços a consumidores finais, nomeadamente:

  • Computadores e sistemas operativos;
  • Terminais de pagamento e caixas multibanco;
  • Smartphones e equipamentos de comunicação;
  • Leitores e softwares de eBooks;
  • Serviços de comunicações eletrónicas (como chamadas e mensagens);
  • Serviços bancários ao consumidor;
  • Plataformas de media e conteúdos audiovisuais;
  • Websites e apps de comércio eletrónico;
  • Serviços de transporte com bilhética eletrónica.

Para cada uma destas categorias, a lei impõe requisitos de acessibilidade digital que devem ser tidos em conta no design, desenvolvimento e disponibilização de produtos e serviços a partir de 28 de junho de 2025.

Quem está obrigado?

A lei aplica-se a fabricantes, importadores e distribuidores de produtos, bem como a prestadores de serviços. No entanto, as microempresas prestadoras de serviços (menos de 10 trabalhadores e volume de negócios anual inferior a 2 milhões de euros) estão isentas das obrigações relativas aos serviços abrangidos.

Note-se que a isenção de acessibilidade digital se aplica apenas aos serviços. No caso dos produtos abrangidos, como como smartphones, tablets ou software, mesmo as microempresas devem garantir a conformidade com os requisitos indicados na lei.

Além disso, continuam a ser aplicáveis outras normas nacionais já em vigor sobre acessibilidade, proteção de dados ou igualdade no trabalho.

A Portaria n.º 220/2023, publicada em 31 de julho de 2023, veio complementar este regime, detalhando os requisitos técnicos de acessibilidade para os produtos e serviços referidos.

Requisitos específicos para o comércio eletrónico

As interfaces digitais (sites, apps, plataformas) devem cumprir requisitos de acessibilidade funcional, assegurando que podem ser utilizadas por pessoas com limitações físicas, sensoriais ou cognitivas — permanentes ou temporárias.

Embora a legislação não mencione expressamente normas técnicas como as WCAG 2.1, a sua adoção (nível AA) é amplamente reconhecida como uma boa prática internacional para garantir a conformidade com os princípios de acessibilidade digital definidos no Decreto-Lei n.º 82/2022 e no Anexo I da Diretiva 2019/882.

Na prática, isso implica assegurar:

  • Texto com contraste adequado;
  • Possibilidade de navegação por teclado;
  • Alternativas textuais para conteúdos visuais;
  • Compatibilidade com tecnologias de apoio (ex.: leitores de ecrã);
  • Informação compreensível, previsível e estruturada.

Nos serviços de comércio eletrónico, a Portaria n.º 220/2023 exige que os sites e aplicações digitais assegurem:

1. Informações sobre acessibilidade dos produtos e serviços

Sempre que o fabricante ou operador económico forneça essas informações, elas devem estar disponíveis de forma clara e não podem ser suprimidas.

2. Acessibilidade nas funcionalidades de identificação, segurança e pagamento

Quando estas funcionalidades fazem parte de um serviço, devem ser percetíveis, operáveis, compreensíveis e robustas. Exemplo: garantir que a interface de pagamento está disponível por voz, permitindo compras autónomas a pessoas cegas.

3. Métodos acessíveis de identificação e pagamento

Os métodos disponibilizados devem respeitar os mesmos princípios de acessibilidade. Exemplo: ecrãs compatíveis com leitores de ecrã nos processos de login ou autenticação.

O que deve fazer?

A lei entrou em vigor em 2022. O início de aplicação foi adiado para 28 de junho de 2025, para que as empresas se pudessem preparar.

Para melhorar a acessibilidade dos produtos e serviços digitais, é recomendável:

1. Avaliar os seus canais digitais

Faça uma auditoria técnica aos seus sites, apps e plataformas, com base nas WCAG 2.1, identificando barreiras de acessibilidade digital.

2. Planear a correção das falhas

Desenvolva um plano de conformidade com as regras da acessibilidade digital, envolvendo equipas técnicas, de design e de conteúdo.

3. Formar a sua equipa

É essencial que os colaboradores adquiram conhecimentos em acessibilidade digital, para que possam aplicar boas práticas em todas as fases de desenvolvimento e manutenção dos canais digitais.

4. Incluir a acessibilidade nos contratos

Se recorre a fornecedores externos para gerir os seus canais digitais, assegure-se de que os contratos incluem cláusulas sobre acessibilidade digital e conformidade legal.

Note-se que, em casos devidamente justificados, a empresa pode invocar a desproporcionalidade do cumprimento, nos termos definidos na lei. Mas esta avaliação deve ser documentada e fundamentada.

O que acontece em caso de incumprimento?

A fiscalização caberá, consoante o setor, a entidades como a ASAE – que supervisionará a maioria dos produtos que não se destinem a comunicações eletrónicas – e a ANACOM, sendo esta última a entidade a quem foi atribuída a fiscalização das empresas de comércio eletrónico e dos equipamentos de comunicações eletrónicas.

Noutras áreas, a fiscalização poderá ainda caber à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), à Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, ao Banco de Portugal, à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, à Inspeção-Geral das Atividades Culturais e aos municípios.

Para as pessoas coletivas, as coimas podem atingir:

  • Contraordenação grave: 12 000€ a 24 000€
  • Contraordenação muito grave: 24 000€ a 44 891,81€

Além disso, a lei obriga à divulgação da decisão condenatória em dois jornais de âmbito nacional, devendo o infrator pagar os custos.

Mais do que uma obrigação legal

Cumprir esta lei não é apenas uma imposição — é também uma oportunidade para:

  • Aumentar o alcance do seu negócio: há 1,1 milhões de consumidores com deficiência em Portugal e 101 milhões no espaço europeu;
  • Melhorar a experiência de todos os utilizadores, não apenas de pessoas com deficiência;;
  • Reduzir riscos jurídicos e reputacionais;
  • Promover a inclusão digital;
  • Reforçar a imagem e reputação da empresa e das suas marcas.

Se tem uma loja online, presta serviços digitais ou gere plataformas acessíveis ao público, esta é a altura de agir. A acessibilidade digital passará a ser critério obrigatório de legalidade — e um diferencial competitivo para negócios responsáveis.

No escritório da Mafalda Correia Advogados, apoiamos microempresas, PME e negócios digitais na interpretação das novas regras de acessibilidade digital, na avaliação da sua aplicação prática e na validação de medidas proporcionais, com soluções jurídicas adaptadas à realidade de cada empresa. Se precisar de apoio, estamos disponíveis para o acompanhar neste processo.

Este é um texto meramente informativo. As informações nele contidas são gerais e abstratas e não dispensam a assistência profissional qualificada e dirigida ao caso concreto.


Foto de  Elizabeth Woolner / Unsplash