Mesmo sendo pequenas e com equipas reduzidas, as microempresas devem cumprir as obrigações do RGPD para garantir a proteção dos dados pessoais que tratam diariamente. Esta responsabilidade assume especial relevo no contexto digital, onde a recolha, armazenamento e utilização de dados ocorre de forma contínua e integrada em diversas atividades.
O Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) aplica-se a todas as empresas que realizam tratamento de dados pessoais, independentemente da sua dimensão. Contudo, é frequente ouvir-se que “o RGPD é apenas para as grandes empresas”. Esta ideia é incorreta, pois, embora o cumprimento das regras deva ser proporcional ao tamanho e ao risco inerente ao tratamento, existem obrigações legais essenciais que não podem ser descuradas, mesmo por microempresas com poucos recursos.
Neste artigo, abordamos de forma clara e prática as principais obrigações legais que as microempresas devem cumprir no âmbito do RGPD, bem como algumas boas práticas recomendadas para uma gestão responsável e segura dos dados pessoais.
O que é obrigatório para todas as empresas?
1. Informar os titulares dos dados
A transparência é uma exigência central do RGPD. Os titulares dos dados (clientes, fornecedores, colaboradores) devem ser informados, de forma clara e acessível, sobre:
- que dados são recolhidos,
- para que finalidades,
- qual a base legal do tratamento,
- durante quanto tempo os dados serão conservados,
- com quem podem ser partilhados.
➡️ Porquê?
Porque o RGPD assenta nos princípios da transparência e da responsabilização (“accountability”). Os titulares têm o direito de saber o que está a ser feito com os seus dados e de tomar decisões informadas. Além disso, a falta de informação adequada pode invalidar a base legal do tratamento — por exemplo, tornar inválido um consentimento obtido.
2. Identificar a base legal do tratamento
A empresa deve ter uma justificação legal para cada tratamento de dados. As bases legais mais comuns nas microempresas são:
- Execução de um contrato (ex. para prestar um serviço);
- Cumprimento de obrigação legal (ex. emissão de faturas);
- Consentimento (quando exigido, como para envio de newsletters);
- Interesse legítimo (aplicável em algumas situações, com cautela).
➡️ Porquê?
Não basta tratar dados com boa intenção. O RGPD exige que cada ação de tratamento tenha um fundamento legal claro. Esta base é o que permite à empresa continuar a tratar os dados em segurança, mesmo em caso de reclamação, auditoria ou fiscalização. Sem base legal, o tratamento é considerado ilícito.
3. Definir prazos de conservação de dados
Os dados pessoais só podem ser conservados enquanto forem necessários para o fim que motivou a sua recolha e não podem ser guardados indefinidamente. A empresa deve definir regras de conservação e procedimentos de eliminação e proceder a limpezas periódicas dos dados que já não são necessários.
➡️ Porquê?
Porque o princípio da limitação da conservação estabelecido no RGPD obriga à eliminação dos dados quando estes deixam de ser necessários. Manter dados antigos ou desnecessários aumenta os riscos em caso de violação e pode constituir uma infração.
4. Recolher apenas os dados necessários (princípio da minimização)
As empresas devem limitar a recolha de dados pessoais ao que for estritamente necessário para cumprir a finalidade do tratamento. Não é permitido pedir ou conservar dados excessivos ou irrelevantes face ao objetivo que se pretende atingir.
➡️ Porquê?
Porque o princípio da minimização obriga a que os dados recolhidos sejam adequados, pertinentes e limitados ao necessário. Ignorar esta regra aumenta o risco de infrações e pode prejudicar a confiança dos titulares. Além disso, reduz a eficiência e segurança da gestão da informação.
5. Adotar medidas técnicas e organizativas de segurança
Não é obrigatório implementar tecnologias sofisticadas, mas devem existir medidas adequadas para proteger os dados: palavras-passe robustas, backups regulares, controlo de acessos, formação aos colaboradores, entre outras.
➡️ Porquê?
Porque as falhas de segurança são uma das principais causas de violação de dados. Mesmo com poucos recursos, medidas simples (como não partilhar passwords ou usar software atualizado) fazem diferença. O RGPD exige medidas proporcionais, não perfeição — mas exige que se faça alguma coisa.
Boas práticas recomendadas (não obrigatórias, mas úteis)
1. Nomear um responsável interno
Mesmo que não haja Encarregado de Proteção de Dados (EPD), é útil ter uma pessoa identificada e preparada para coordenar estas matérias.
➡️ Porquê?
Porque centralizar a responsabilidade evita esquecimentos, omissões ou abordagens contraditórias dentro da equipa. Mesmo em empresas muito pequenas, alguém deve acompanhar a evolução da legislação, responder a pedidos dos titulares e articular medidas com os prestadores de serviços.
2. Dar formação à equipa
Mesmo numa estrutura pequena, é importante que todos saibam como lidar com os dados pessoais com responsabilidade. A maioria dos incidentes com dados resulta de erro humano, como enviar um email com destinatários em “CC”, deixar um portátil ligado, partilhar acidentalmente ficheiros com dados pessoais.
➡️ Porquê?
Porque uma equipa bem informada sabe como agir corretamente, evita práticas que comprometem a proteção dos dados e consegue identificar e reportar eventuais incidentes a tempo. A formação regular e adaptada à realidade da empresa é fundamental para minimizar riscos e garantir conformidade.
3. Avaliar a necessidade de manter um registo de atividades
As microempresas estão, à partida, dispensadas de manter um registo formal das atividades de tratamento de dados, salvo quando o tratamento for regular, for suscetível de implicar um risco para os direitos e liberdades dos titulares dos dados, ou envolver categorias especiais de dados (como dados de saúde).
Mas, mesmo nos casos em que não é obrigatório, este registo pode ser essencial para dar à empresa uma visão clara sobre o que faz com os dados e para demonstrar a conformidade com o RGPD.
➡️ Porquê?
Porque este “mapa” ajuda a empresa a perceber melhor o que faz com os dados e a identificar riscos ou incoerências. É também um apoio relevante em auditorias e em caso de fiscalização pela autoridade de controlo.
4. Rever os contratos com fornecedores
Mesmo em estruturas pequenas, muitas empresas recorrem a serviços externos que implicam o tratamento de dados pessoais, como softwares de faturação, plataformas de e-mail marketing ou serviços de armazenamento em nuvem. É essencial rever os contratos celebrados com estes fornecedores para garantir que incluem cláusulas que asseguram a conformidade com o RGPD.
➡️ Porquê?
Porque a responsabilidade pelo tratamento de dados que é feito pela empresa subcontratante permanece, em última instância, com a empresa que a contrata. Sem um contrato com cláusulas específicas que definam as obrigações em matéria de proteção de dados, não há garantias de que o subcontratante cumpre as regras. Em caso de violação, quem responde é a empresa contratante — mesmo que não tenha tido culpa direta.
5. Ter um plano de resposta a incidentes
É improvável que uma microempresa esteja isenta de riscos. Ter um plano de atuação em caso de violação de dados (mesmo básico) pode fazer a diferença.
➡️ Porquê?
Porque em caso de falha de segurança, há prazos curtos para comunicar a violação à CNPD e, em alguns casos, aos titulares dos dados. Saber como agir, quem contactar e que informação recolher é essencial para minimizar danos e cumprir a lei.
Conclusão
O cumprimento do RGPD não exige grandes investimentos nem burocracia excessiva — especialmente nas microempresas. Mas ignorar as obrigações legais pode sair caro, tanto do ponto de vista jurídico como reputacional.
Um acompanhamento jurídico adequado ajuda a aplicar o regulamento com proporcionalidade e bom senso, evitando riscos desnecessários.
Se tem dúvidas sobre como aplicar o RGPD na sua empresa, esclarecê-las pode ser o primeiro passo para garantir segurança e tranquilidade no tratamento de dados.
No escritório de Mafalda Correia Advogados apoiamos microempresas e pequenos negócios digitais na avaliação da situação atual, na implementação de procedimentos adequados ao RGPD e na formação prática dos colaboradores, com soluções proporcionais à dimensão e realidade de cada empresa. Se precisar de apoio em matéria de proteção de dados, estamos disponíveis para o ajudar.
Este é um texto meramente informativo. As informações nele contidas são gerais e abstratas e não dispensam a assistência profissional qualificada e dirigida ao caso concreto.
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