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Teletrabalho: como formalizar a relação laboral à distância

O teletrabalho é hoje uma realidade consolidada, sobretudo entre empresas da economia digital. Startups tecnológicas, agências de comunicação, consultoras e prestadores de serviços digitais recorrem cada vez mais a colaboradores remotos, que desempenham funções à distância, muitas vezes a partir da sua própria residência ou de outro país.

Este modelo de trabalho oferece vantagens claras: aumento da produtividade, redução de custos operacionais, maior flexibilidade na gestão de equipas e acesso a talento global. No entanto, para que estas vantagens não se transformem em riscos, é essencial que o teletrabalho seja adequadamente regulado. Sem um contrato de trabalho estruturado, a empresa expõe-se a riscos jurídicos, fiscais e laborais que podem comprometer o seu crescimento.

O contrato de trabalho em regime de teletrabalho: exigência legal

O contrato de trabalho é o instrumento jurídico que estabelece os termos da relação entre empregador e trabalhador. Em regra, o contrato pode ser celebrado de forma verbal ou escrita, mas há situações em que a forma escrita é obrigatória. Uma delas é precisamente o regime de teletrabalho.

Quando o trabalho é prestado fora das instalações da empresa, com recurso a tecnologias de informação e comunicação, o Código do Trabalho determina que é obrigatório um acordo escrito entre o empregador e o trabalhador para regular as condições da prestação remota.

Esta formalização não é apenas uma exigência normativa: é também uma forma de clarificar direitos, deveres e expectativas de ambas as partes desde o início da relação.

Sem este enquadramento contratual, torna-se mais difícil gerir o tempo de trabalho, controlar resultados, aplicar sanções disciplinares ou mesmo cessar o vínculo com fundamento legal.

Cláusulas específicas a incluir nos contratos de teletrabalho

A par dos elementos essenciais em qualquer contrato de trabalho, como a identificação das partes, categoria profissional, retribuição, local e horário de trabalho, os contratos celebrados com trabalhadores que vão exercer a sua atividade em regime de teletrabalho devem conter cláusulas específicas que reflitam a realidade da prestação de trabalho à distância.

A seguir, destacamos alguns dos pontos que devem constar no contrato.

1. Local de trabalho habitual

Deve ser identificado expressamente o local habitual onde o trabalhador irá exercer as suas funções, mesmo que se trate da sua residência. Esta informação pode ter múltiplas implicações, nomeadamente quanto à:

  • Aplicação de normas sobre segurança e saúde no trabalho;
  • Determinação do tribunal territorialmente competente em caso de litígio laboral;
  • Definição de políticas de deslocações ou ajudas de custo.

Além disso, se o trabalhador se encontrar fora de Portugal, o local de trabalho declarado pode ter implicações fiscais e contributivas, podendo levar à sujeição a regimes de segurança social e de impostos do país em que o trabalhador reside.

2. Duração do regime de teletrabalho

O contrato deve esclarecer se o teletrabalho é adotado de forma permanente ou temporária.

O Código do Trabalho permite que o acordo de teletrabalho seja revogado por qualquer das partes, com um pré-aviso de 60 dias, salvo quando o regime é adotado por motivos específicos (como proteção na parentalidade ou por questões de saúde), em que o trabalhador goza de maior proteção. Assim, a inclusão de uma cláusula clara sobre a reversibilidade do regime evita dúvidas e permite maior flexibilidade na gestão futura da relação.

É igualmente importante definir se o regime pode ser revisto, renegociado ou alterado, mediante determinadas condições ou com base na evolução da atividade da empresa.

3. Horário de trabalho e disponibilidade

Apesar da perceção de flexibilidade, o regime de teletrabalho continua sujeito ao cumprimento do período normal de trabalho, ou seja do número de horas de trabalho a prestar pelo trabalhador. No contrato, é fundamental indicar:

  • O período normal de trabalho diário e semanal;
  • O horário de trabalho e os intervalos de descanso;
  • O respeito pelo direito a desligar;
  • Informação sobre os mecanismos de controlo do tempo de trabalho aplicáveis (aplicações de registo, relógios de ponto digitais, sistemas automáticos, etc.).

Estas informações são particularmente relevantes para a empresa evitar o trabalho suplementar não autorizado e para demonstrar cumprimento das obrigações legais em caso de fiscalização.

4. Responsabilidade pelos equipamentos e sistemas

O contrato deve especificar quem é responsável por fornecer e manter os equipamentos e serviços necessários à prestação do trabalho, como por exemplo o computador e periféricos, as licenças de software, a serviço de internet e o acesso a redes seguras.

Na maioria dos casos, esta responsabilidade recai sobre o empregador. Contudo, é possível estabelecer no acordo que o trabalhador irá utilizar os seus próprios meios, desde que esse uso não imponha encargos adicionais ao trabalhador, nem comprometa a proteção de dados ou a cibersegurança.

É recomendável prever também um inventário dos bens fornecidos, com regras claras sobre a sua conservação, utilização e devolução, e informar o trabalhador sobre a política de cibersegurança que deverá cumprir na utilização dos equipamentos.

5. Despesas associadas ao teletrabalho

O empregador é responsável por suportar todas as despesas adicionais em que o trabalhador incorra por força do teletrabalho, como eletricidade, internet ou consumíveis, salvo se as partes acordarem de forma diferente.

A forma mais prática de o fazer é prevendo um valor fixo mensal compensatório. Em alternativa, pode estabelecer-se um sistema de reembolso das despesas efetuadas, mediante apresentação de comprovativos.

Seja qual for o modelo adotado, ele deve constar do contrato para prevenir dúvidas e evitar litígios. A ACT tem vindo a fiscalizar o cumprimento deste dever, sobretudo em situações em que o teletrabalho é prolongado ou imposto unilateralmente pela empresa.

6. Direito à privacidade e controlo à distância

É legítimo que o empregador pretenda acompanhar a produtividade e resultados do trabalhador, mas essa monitorização deve respeitar a privacidade do trabalhador, nos termos do Código do Trabalho e da legislação de proteção de dados pessoais.

O contrato deve indicar, de forma clara e transparente:

  • Uma descrição dos meios utilizados (login, sistemas de produtividade, registo de acessos, etc.);
  • A justificação da necessidade desses meios e os limites da monitorização;
  • As informações sobre o tratamento de dados pessoais gerados em contexto laboral remoto, nos termos do RGPD e da Lei n.º 58/2019.

A monitorização abusiva, intrusiva ou desproporcional pode dar origem a sanções pela Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e a processos judiciais por violação de direitos fundamentais do trabalhador.

7. Segurança e saúde no trabalho

O empregador continua responsável por garantir condições de segurança e saúde, mesmo quando o trabalhador está em regime de teletrabalho. Para tal, deve:

  • Fornecer informação e formação sobre ergonomia e boas práticas posturais;
  • Realizar avaliações de risco do posto de trabalho, sempre que possível, com consentimento do trabalhador;
  • Facultar o contacto do trabalhador com os serviços de medicina no trabalho.

O contrato pode incluir cláusulas que reforcem o dever de cooperação do trabalhador neste domínio.

Riscos de não formalizar corretamente o teletrabalho

A informalidade pode parecer conveniente, mas as empresas que contratam trabalhadores remotos sem formalizar adequadamente o vínculo laboral estão expostas a múltiplos riscos jurídicos e financeiros. Ignorar a necessidade de formalizar um contrato de trabalho remoto pode ter implicações sérias, nomeadamente:

  • Presunção de contrato sem termo: na ausência de contrato escrito, a relação é presumida como permanente, mesmo que ambas as partes tenham acordado um vínculo a termo;
  • Reconhecimento judicial de vínculo laboral: trabalhadores contratados como prestadores de serviços ou freelancers podem recorrer aos tribunais para solicitar o reconhecimento da relação laboral e a obtenção das compensações devidas em matéria de retribuições, férias, subsídios e antiguidade, com efeitos retroativos;
  • Coimas da ACT: a ausência de contrato escrito ou de cláusulas obrigatórias constitui contraordenação grave ou muito grave, punível com coimas entre 612,00€ e 61.200,00€, consoante a gravidade e a dimensão da empresa;
  • Responsabilidade contributiva e fiscal: uma relação laboral encapotada pode originar correções pela Segurança Social e pela Autoridade Tributária, obrigando ao pagamento de coimas e de liquidações adicionais, com juros;
  • Impacto reputacional: práticas laborais informais podem afetar a reputação da empresa junto de investidores, parceiros comerciais, clientes institucionais e entidades reguladoras.

Teletrabalho internacional: riscos acrescidos

Com a crescente mobilidade dos trabalhadores, começa a ser frequente a contratação de colaboradores que residem noutros países. Nestes casos, a empresa deverá ter especial atenção a:

  • Leis laborais locais: o trabalhador pode estar sujeito à legislação do país onde reside, o que obriga a uma análise jurídica multijurisdicional;
  • Segurança social: a empresa deve verificar se é possível manter o enquadramento na segurança social portuguesa ao abrigo do regime aplicável aos trabalhadores deslocados (A1);
  • Fiscalidade: é necessário avaliar se a residência do trabalhador num país estrangeiro implica obrigações fiscais para a empresa nesse país.

Nestes casos, é essencial recorrer a uma assessoria jurídica e fiscal especializada, sob pena de a empresa incorrer em riscos graves não antecipados.

Conte com o apoio certo para formalizar o teletrabalho

Na Mafalda Correia Advogados, ajudamos as empresas a estruturar contratos de teletrabalho sólidos, seguros e conformes com a legislação nacional. A nossa experiência no setor digital permite-nos antecipar riscos e adaptar cláusulas à realidade de cada cliente.

Podemos também prestar apoio especializado a empresas que pretendam contratar trabalhadores noutros países em regime de teletrabalho, contando com a colaboração de advogados locais experientes que integram a nossa rede de parceiros internacionais.

A assessoria jurídica preventiva é essencial para garantir segurança, conformidade e estabilidade interna. Se a sua empresa pretende contratar colaboradores remotos ou regularizar situações já existentes, conte com a nossa experiência.

Este é um texto meramente informativo. As informações nele contidas são gerais e abstratas e não dispensam a assistência profissional qualificada e dirigida ao caso concreto.


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